MINHA DECISÃO - Quarta Carta


QUARTA CARTA

Limehouse

Blackheath, janeiro de 1875

Meu amado irmão,

O efeito da reunião que descrevi em minha última carta foi inesperado e maravilhoso. Senti-me como um pássaro que tinha acabado de escapar de uma gaiola, tão grande era minha liberdade e a liberdade de minha alma. Além disso, as verdades que não estavam claras em minha mente iam se solidificando pela influência daquela reunião e brilhavam como tesouros recém-descobertos. Por isso, quando insistiram que eu permanecesse com minha congregação garantindo que eu poderia pregar tudo o que o Senhor me revelara, eu já não poderia fazê-lo, mesmo tendo um grande apreço pelas almas que me haviam sido dadas por meio do evangelho. Os laços que a comunhão cristã havia criado me ligavam a muitos crentes. Além disso, humanamente falando, a manutenção das necessidades temporais dependia de minha continuidade em minha função. Mas mesmo estas coisas não poderiam me chamar de volta ou me fazerem retroceder naquilo que eu havia falado.


Após proferir as verdades apresentadas em meu relato, senti que deveria agir em conformidade com elas. Comecei a buscar uma função que pudesse passar no teste da Palavra de Deus. Além disso, depois de ter manifestado em público o meu pesar pela publicação de meu livro, senti que também deveria contar isso àqueles contra quem ele foi escrito. Sendo assim, escrevi uma breve carta ao Sr. William Kelly -- alguém bem conhecido entre os chamados “irmãos” -- comunicando o que eu havia feito e expressando minha tristeza por ter publicado meu panfleto.

Isto feito, eu estava livre de todos os embaraços. Busquei então a ajuda de Deus para ter fundamento nas Escrituras em tudo o que estivesse relacionado à minha posição, para que no futuro eu pudesse estar congregado corretamente, pois a posição exata que eu deveria assumir em minha separação de minha congregação ainda me era incerta . Meu único desejo era conhecer a vontade do Senhor.

A primeira coisa que examinei foi o “ministério”, na forma como é praticado pelos “dissidentes” [N. do T.: Na época a expressão identificava as denominações que não seguiam a Igreja Anglicana]. Durante anos eu e você fomos conhecidos como ministros dissidentes, embora não estivéssemos dispostos a aceitar o nome. Por quê? Posso responder apenas por mim mesmo. Depois de ter confessado a Cristo, eu tinha um grande desejo de “entrar no ministério.” Eu era jovem e sem instrução, e de acordo com a prática de nossa denominação (Batista), procurei uma das faculdades existentes para me preparar. Recomendado por dois ministros, embora eu só tivesse pregado uma vez, sem que nenhum deles tivesse me escutado, fui aceito para os habituais quatro anos de curso. Estudei muito, mas não as Escrituras, embora estas tivessem seu lugar como algo secundário aos outros estudos.

Formei-me bacharel no final do terceiro ano, mas enquanto aguardava os exames finais peguei a febre tifoide e fui incapaz de continuar minha licenciatura. Depois de meses de fraqueza, recuperei-me pela bênção de Deus. Faltavam cerca de seis meses de estudo. Ao final de três meses, fui convidado a pregar, como um teste, e no final de minha pregação a “igreja” se reuniu para discutir meus méritos como pregador. Então, por votação, fui eleito por unanimidade para ser o seu pastor.

Não vou aqui discutir o método de preparação de jovens para o ministério, embora ele esteja repleto de muitos males e seja completamente injustificado pelas Escrituras. Vou limitar-me a uma pergunta: “Existe qualquer autoridade bíblica para a eleição de um “ministro” por votação da igreja?” Esta foi a pergunta que, com a Bíblia na mão, eu procurava responder.

Abri primeiro em Atos 6, onde encontramos algo parecido com a “eleição” dos ofícios da igreja pelos crentes em comunhão (v. 5). Porém, observe que ali há várias coisas. Em primeiro lugar, apesar de terem sido escolhidos pela multidão, foi pela direção dos apóstolos, que a nomeação foi confirmada, se é que não tenha sido feita diretamente pelos apóstolos (v. 6). Em segundo lugar, apesar de terem sido escolhidos pela multidão, a palavra usada para indicar, ou o ato de sua escolha, revela uma simples escolha, e não uma votação. Em terceiro lugar, as pessoas escolhidas para ocupar os “ofícios” não eram anciãos ou bispos, mas foram nomeadas apenas para atender a distribuição diária de mantimento para as viúvas -- eram pessoas que serviam às mesas (vv. 1-3). Depois Estêvão pregou a palavra no poder do Espírito Santo, mas ninguém afirma que esta tenha sido uma consequência de sua nomeação para servir às mesas. Assim, nada neste capítulo corrobora para a eleição de “pastores” ou “ministros”.

Examinei então Atos 14:23, que vai mais direto ao ponto. Lemos ali de Paulo e Barnabé “anciãos eleitos em cada igreja”. Nas Escrituras, “anciãos” e “bispos” são uma mesma coisa. Os dois termos indicam uma mesma função, e o ofício de um ministro denominacional é tido como assumido em obediência a isto. Se estes “anciãos” eram nomeados pelo voto da igreja, então poderia haver uma justificativa para a prática adotada pelas denominações.

A prova de que as palavras “anciãos” e “bispos” indicam o mesmo ofício é encontrada em Atos 20:17, onde Paulo manda “chamar os anciãos da igreja” Ao abordá-los, ele diz no versículo 28: “Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos”.

Voltando a Atos 14:23, vejamos quais são as palavras exatas usadas. Literalmente está assim: “E, havendo-lhes... eleito anciãos”. Até ali eu acreditava, conforme havia sido ensinado, que a palavra traduzida como “eleito”, significava “designado pelo voto da igreja” -- ou seja, pela contagem das mãos levantadas -- e, portanto, que primeiro a igreja selecionava esses anciãos por voto, e em seguida os apóstolos confirmavam ou ratificavam a escolha que a igreja tinha feito.

Se aceitarmos, por um minuto, que este pudesse ser o significado da palavra usada, peço-lhe, querido irmão, que pondere se este é o método usual para se interpretar uma linguagem. O contexto mostra que o particípio traduzido por “havendo eleito” refere-se apenas à ação dos apóstolos, e que o pronome traduzido como “lhes”, refere-se “a eles” ou “para eles”, ou seja, aos discípulos que havia em cada igreja. Portanto, é evidente que, independente do significado da palavra “eleito”, estamos falando aqui de algo que os apóstolos fizeram para as igrejas. Todavia, se você insistir que a palavra realmente transmite o significado de “votação pela igreja”, eu responderia imediatamente, e sob a autoridade desta passagem que, se a igreja tivesse votado,  nenhuma nomeação seria válida se não fosse mediante a presença e ação dos apóstolos!

Mas será que é este o significado da palavra “eleito”? A mesma palavra grega só ocorre em dois outros lugares no Novo Testamento, uma vez na mesma forma, e outra combinada com uma preposição de “tempo”, o que deixa o significado da palavra inalterado. Em 2 Coríntios. 8:19 o apóstolo Paulo fala de um irmão cujo louvor no evangelho era conhecido por todas as igrejas, e diz: “E não só isto, mas foi também escolhido (a mesma palavra traduzida como “eleito” na outra passagem) pelas igrejas para companheiro de nossa viagem, nesta graça...” Aqui, as igrejas fizeram a indicação, mas não temos nada além do próprio termo para indicar o método de escolha. No entanto, esta não é a escolha de um ancião, mas apenas de um enviado pelas assembleias para, juntamente com o apóstolo, encaminhar as contribuições -- uma coisa totalmente diferente!

A outra passagem está em Atos 10:40-41: “A este ressuscitou Deus ao terceiro dia, e fez que se manifestasse, não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus antes ordenara (no original é a mesma palavra)”. Acaso o uso da palavra nesta passagem não prova o seu significado? Usada em conexão com Deus, é impossível associá-la a qualquer ideia que não seja de uma escolha ou indicação direta. Portanto, esta passagem deveria controlar nossa interpretação das passagens que apresentem alguma dúvida.

Volto a dizer que a palavra “eleito” é usada apenas em um lugar em conexão com a escolha de anciãos ou bispos (o ofício que os ministros das denominações alegam possuir), e mesmo nessa passagem a ação da palavra está aplicada aos apóstolos, não às igrejas. Portanto, será que alguma mente imparcial poderia continuar acreditando que a Bíblia autorize a eleição de “ministros” (anciãos) pela igreja mediante voto, ou que exista qualquer ideia contida na palavra “eleito” além da de uma simples escolha?

Sendo assim, os anciãos nos versículos citados eram escolhidos pelos apóstolos. Esta é a conclusão à qual a Palavra de Deus me fez chegar do modo mais relutante. Eu tampouco poderia encontrar uma desculpa na ordem de Paulo a Tito para que “de cidade em cidade estabelecesse presbíteros” (Tt 1:5). Primeiro, a palavra “estabelecesse” não é a mesma que discutimos acima, mas tem o sentido de “estabelecer” mesmo; segundo, o que Tito fez, ele só o fez por direção e autoridade do apóstolo.

Estes são os resultados de minha investigação. Minha conclusão é que o método de nossa ordenação não teve autoridade bíblica. Se quiser saber mais sobre este assunto, deixe-me recomendar “Lectures on the Church of God”, por William Kelly. Todavia, você descobrirá que as Escrituras já são mais que suficientes para demonstrar a precisão das conclusões que apresentei acima.

Afetuosamente seu, no Senhor,

Edward Dennett

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Breve Biografia de Edward Dennett

Edward Dennett nasceu em Bembridge, Isle of Wight, em 1841 e partiu para estar com o Senhor em Croydon em Outubro de 1914. Ele se converteu ainda jovem por intermédio de um clérigo piedoso e sua família pertencia à Igreja Anglicana, a qual ele abandonou por convicções pessoais.

Graduou-se pela London University e assumiu o posto de ministro de uma congregação Batista em Greenwich. Após adoecer gravemente foi enviado à Suíça em Março de 1873 para tratamento e, enquanto estava em Veytaux, reconheceu que sua posição contra os "Plymouth Brethren" e o livro que escreveu criticando o movimento não tinham fundamento bíblico.

De volta à Inglaterra apresentou suas convicções à congregação que dirigia e deixou-a. Depois de estudar os ensinos dos "irmãos" e compará-los com as Escrituras, entrou em contato com William Kelly e acabou tomando seu lugar em comunhão. Dennett trabalhou na obra do Senhor na Inglaterra, Escócia, Irlanda e também visitou a Noruega, Suécia e América do Norte.

Um acervo das obras de Edward Dennett em inglês pode ser encontrado na Bible Truth Publishers (em formato impresso ou digital) e em Stempublishing (digital).