Prefácio da Primeira Edição em Inglês
![]() |
St. Stephen's, Walbrook |
Estas cartas a um novo convertido estão sendo reimpressas, sem
alteração, da revista Christian's Friend (Amigo do Cristão). Elas foram
originalmente escritas pelo editor para ajudar uma pessoa que havia se
convertido há pouco tempo e que nunca tivera a oportunidade de receber um
ensino oral. Considerando que os assuntos tratados são de interesse vital e
permanente, são agora publicadas com a oração de que o Senhor possa Se agradar
em abençoá-las para a edificação de muitas ovelhas de Seu rebanho.
Edward Dennett
Blackheath, Dezembro de 1877
Primeira Carta
Paz Com Deus
Prezado
irmão,
Você
se queixa de não ter uma “paz firme” e que por isso está fazendo pouco
progresso na verdade ou no conhecimento do Senhor. Sua reclamação, sinto
admitir, não é algo incomum, mas brota de um conhecimento imperfeito do
evangelho e por você confundir duas coisas que são diferentes. Portanto espero,
com a bênção do Senhor, ser capaz de ajudá-lo, isto se você estiver disposto a
considerar cuidadosamente o que estou para escrever.
Seu
caso me faz lembrar o de outra pessoa com quem me deparei recentemente. “Você
tem paz com Deus?”, perguntei. Sua resposta foi: “Nem sempre...”.
Assim como no seu caso, confunde-se a paz estabelecida com o desfrutar dessa
paz. Quero dizer, quando você está alegre no Senhor, diz: “Agora sim, eu
tenho paz”; mas quando fica deprimido por causa de algum fracasso ou
tribulação acha que sua paz foi-se embora.
Uma Paz Que Vem de Fora
Para
prover uma solução para um sentimento assim, quero que considere atentamente quais
são os fundamentos da paz com Deus. A alma tem muito a ganhar quando
percebe com clareza que estes fundamentos não se encontram dentro, mas fora.
Então poderá também enxergar que nossas experiências nada têm a ver com a
questão.
Leia
comigo Romanos 5.1. Ali vemos que, “sendo, pois, justificados pela fé, temos
paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo”, e se examinarmos a ligação desta
passagem com o contexto, aprenderemos, de uma vez por todas, qual é a origem da
paz a que ela se refere. É este o contexto: Depois de haver explicado a maneira
pela qual Abraão foi justificado diante de Deus, o apóstolo Paulo continua:
“Ora não só por causa dele está escrito, que lhe fosse tomado em conta, mas
também por nós, a quem será tomado em conta; os que cremos naquele que dos
mortos ressuscitou a Jesus nosso Senhor; O qual por nossos pecados foi
entregue, e ressuscitou para nossa justificação. Sendo pois justificados pela
fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo” (Romanos 4.23-25; 5.1).
Um Só Fundamento
Esta
passagem deixa bem claro que o único fundamento de paz com Deus está na obra
de Cristo. Na realidade, após o fundamento haver sido assim colocado, Deus
declara que todo aquele que crê em Seu testemunho a esse respeito, crê que Ele
intercedeu em graça para providenciar tudo o que era necessário para a salvação
do pecador. E declara ainda que aquele que assim crê em Deus está
justificado e, por estar justificado, já tem a paz que foi feita pela morte de
Cristo – já entra na posse dela. Mas, deve ser observado que está escrito que
Cristo foi entregue por nossas ofensas, e que “ressuscitou para nossa
justificação” (Romanos 4.25). Ou seja, a ressurreição de Cristo é a prova
final que demonstrou como foi completa a Sua obra; a evidência de que os
pecados pelos quais Ele morreu, e sob os quais desceu até à morte, foram-se
para sempre.
A
ressurreição de Cristo é o testemunho de que todas as exigências de Deus que
recaíam sobre nós foram plenamente atendidas e satisfeitas. Pois se Ele foi
entregue por nossas ofensas, e deixou o túmulo, tendo sido ressuscitado da
morte, as “ofensas” sob as quais Ele padeceu a morte foram-se para sempre, caso
contrário Ele continuaria na sepultura. Portanto, a ressurreição de Cristo é a
expressão clara e enfática da satisfação de Deus com a expiação que foi feita
na cruz.
Repetindo...
Fica
assim mais que evidente, como já foi dito, que o único fundamento de paz com
Deus está na morte de Cristo. Isto é repetido muitas e muitas vezes nas
Escrituras. Em Romanos 5.9 lemos que somos “justificados pelo Seu sangue”; e em
Colossenses 1.20 diz que “havendo por Ele feito a paz pelo sangue da Sua cruz”.
Portanto, é Cristo (e não nós) Quem faz a paz com Deus, e Ele já a fez por meio
de Sua morte como sacrifício – a morte que cumpriu todas as exigências que Deus
fazia ao pecador, e que satisfez tudo aquilo que Ele com justiça poderia
requerer do homem, glorificando ainda a Deus em cada atributo de Seu caráter. É
por isso que Deus agora pode rogar ao pecador que se reconcilie com a Sua
Pessoa. “Rogamo-vos pois da parte de Cristo que vos reconcilieis com Deus” (2
Coríntios 5.20).
Você Crê?
Depois
de haver explicado tudo isso, é necessário fazer à alma uma importante
pergunta: Você crê no testemunho de Deus a respeito do Seu Filho e da obra que
Ele consumou? Se houver qualquer dificuldade para responder a esta pergunta,
então nenhum progresso poderá ser feito. Todavia um teste simples ajudará a
elucidar a verdade. Mais uma pergunta, e tenho certeza de que você perceberá
claramente a verdade: Em que você se baseia para pensar que Deus o aceita? Será
que é em si próprio, em suas obras, seus méritos ou no que merece? Se assim
for, então você não está descansando na obra de Cristo. Porém, se você
reconhece que, por natureza, é um pecador perdido e arruinado, e confessa que
não põe a sua esperança em coisa alguma além de Cristo e naquilo que Ele fez,
então você pode humildemente dizer: “Pela graça de Deus eu creio no Senhor
Jesus Cristo”.
Supondo,
então, que você possa falar dessa maneira, esteja certo de que a questão de sua
paz com Deus está resolvida para sempre e nada poderá privá-lo dela – nenhuma
mudança, nenhuma experiência diversa; pois ela é sua imutável e inalienável
possessão. As Escrituras dizem que, “sendo pois justificados pela fé” (e
você diz que crê), “temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo”
(Romanos 5.1). Todo crente – no exato momento em que crê – é justificado,
libertado de toda forma de culpa, e feito justiça de Deus em Cristo. “Àquele
que não conheceu pecado, (Deus) O fez pecado por nós; para que nele fôssemos
feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5.21). E, sendo justificado, o crente tem
paz – não paz em si mesmo, é importante ressaltar, mas paz por meio de nosso
Senhor Jesus Cristo. Isto é, a paz que agora pertence ao crente é aquela
paz com Deus que Cristo fez por meio de Seu sacrifício expiatório. E, uma vez
que essa é a paz que Ele fez, o que ocorreu fora de nós, ela nunca poder variar
ou ser alterada; ela é tão estável e duradoura quanto o trono de Deus; pois,
como já vimos, é uma paz que Cristo fez pela Sua cruz; e o que Ele fez não
poderá nunca ser desfeito, e é, portanto, uma paz eterna. E é esta paz,
permanente, firme e eterna, que pertence a cada crente no Senhor Jesus.
Como Desfrutar
Quando
você se queixa de que não tem uma paz firme, na verdade deveria dizer que não
está desfrutando de uma paz firme, e que seus sentimentos são instáveis.
Por isso pode ser bom perguntar como é que o crente pode desfrutar de uma paz
constante em sua alma. A resposta é muito simples: Pela fé. Se eu creio
no testemunho de Deus de que a paz me pertence pela fé no Senhor Jesus, devo
então entrar imediatamente no gozo dessa paz.
Isto
pode ficar mais simples por meio de um exemplo. Suponha que alguém lhe traga a
notícia de que um parente seu lhe deixou uma herança milionária. O efeito que
isso produzirá em sua mente irá depender totalmente de você acreditar ou não
naquilo que está ouvindo. Se você duvidar da veracidade daquela notícia, não
haverá nenhuma reação a ela; mas se, por outro lado, ficar totalmente
comprovado ser verdade, e você a receber de fato, então dirá imediatamente, “A
herança é minha”. Se você crê no testemunho de Deus de que foi feita paz pelo
sangue de Cristo, nenhum sentimento de depressão, nenhum pensamento de ser
indigno disso, nenhuma circunstância, qualquer que seja, poderá perturbar sua
segurança a esse respeito, pois você verá que ela depende inteiramente daquilo
que outro fez por você. Portanto, é necessário repousar com inabalável
confiança na Palavra de Deus para poder desfrutar de uma paz firme.
Olhando Para Jesus
A
causa de tanta incerteza a respeito deste assunto advém principalmente de se
olhar para dentro ao invés de olhar para fora, para Cristo – de olharmos para
dentro em busca de algo que nos dê confiança de que esteja ocorrendo uma obra
verdadeira de graça na alma, ao invés de olharmos para fora para percebermos
que o único fundamento sobre o qual uma alma pode descansar diante de Deus é o
precioso sangue de Cristo. A consequência é que, ao perceber a corrupção, este
mal da carne, a alma começa a ter dúvidas e a cogitar se porventura não foi
enganada. Satanás começa, dessa forma, a enredar o nosso coração e a semeá-lo
com dúvidas e temores, na esperança de fazer com que duvidemos de Deus; isso
quando não nos lança em total desespero. O modo eficaz de frustrarmos seus
ataques neste sentido é apelando para a Palavra escrita de Deus. Em resposta a
qualquer sugestão maligna devemos fazer como nosso bendito Senhor quando foi
tentado: “Está escrito” (Mateus 4.4). Então, logo descobriremos que nada pode
impedir que desfrutemos daquela paz com Deus que foi feita pelo precioso sangue
de Cristo, e que passou a nos pertencer tão logo nós cremos.
Deixando de Ocupar-se
Consigo
Estando
resolvida a questão do fundamento, e deixando de ocupar-se consigo mesmo, você
encontrará descanso para sua mente e para sua alma – descanso suficiente para
meditar sobre a verdade conforme é revelada nas Escrituras. “Desejai
afetuosamente, como meninos novamente nascidos, o leite racional, não
falsificado, para que por ele vades crescendo” (1 Pedro 2.2). Quero dizer ainda
que se você estudar a Palavra na presença do Senhor será guiado por ela a uma
intimidade de comunhão cada vez maior com Ele, e à medida que for descobrindo a
infinita glória e perfeição de Cristo que nos são reveladas, e por nós assimiladas,
por meio do Espírito de Deus, suas afeições serão atraídas em um sempre
crescente fervor, e seu coração, agora satisfeito, irá transbordar em adoração
aos pés daquele que morreu por você. Deste modo o seu lamento se transformará
em um hino de louvor.
Edward Dennett