MINHA DECISAO - Sexta Carta


SEXTA CARTA
Baker Street

Blackheat, janeiro de 1875

Meu amado irmão,

O exame detalhado que fiz em minha carta anterior foi preparado entre o anúncio de minha saída e a saída propriamente dita. Portanto, além da verdade que eu ensinava, que foi questionada, minhas conclusões quanto ao posto que eu ocupava forçaram-me a permanecer firme em minha decisão. Se eu quisesse ser fiel ao Senhor não teria escolha, a não ser fazer-me surdo aos muitos apelos para que continuasse com minha congregação. Todos os meus interesses, humanamente falando, dependiam de eu continuar ali, mas não ousei levar em conta tais considerações e passar por cima das claras indicações da Palavra de Deus. Portanto preguei para minha amada congregação pela última vez no dia 27 de setembro. No final do sermão matutino eu lhes disse: “Neste momento eu não poderia, de sã consciência para com Deus, permanecer aqui, pois desde que anunciei minha saída dediquei-me com renovado vigor à Palavra de Deus e senti-me compelido a dizer que já não poderia aceitar as práticas que temos no ministério e na adoração”.
 
Quatro dias depois viajei para a Escócia para passar um tempo quieto e colocar em ordem outras questões que ocupavam meus pensamentos. Não será fácil esquecer as conversas que tivemos e as usuais “coincidências” no modo como o Senhor tratou conosco. Nós não apenas ocupávamos a mesma posição, no que diz respeito ao denominacionalismo, como ambos ficamos doentes e fomos enviados para o Continente, retornando na última primavera com o desejo de permanecer com nossas congregações. Mas, por diferentes motivos fomos compelidos a deixar a posição que ocupávamos. Sem que tivéssemos combinado isso, nós dois pregamos nossos sermões de despedida no mesmo dia e depois de uma semana nos encontramos em uma cidade desconhecida. Que o Senhor nos dê graça e forças para sermos obedientes a toda a Sua vontade!

Mas permita-me seguir adiante. Já que eu não poderia aceitar um pastorado entre as denominações, a questão passou a ser: “Com quais cristãos eu deveria estar identificado?”. Você irá se lembrar de que eu já acreditava que os cristãos deveriam se reunir no primeiro dia da semana para partirem o pão. Portanto minha atenção foi mais uma vez dirigida para os assim chamados “irmãos”, pois eu sabia que, apesar do caráter bíblico que é geralmente atribuído a esta prática, eles eram os únicos cristãos (exceto algumas poucas congregações) que se reuniam semanalmente em torno da mesa do Senhor.

Portanto a primeira coisa que decidi examinar com maior profundidade foi sua teoria ou terreno de adoração. Isto está em completo contraste com o que fazem os denominacionais. No meu pastorado, o que chamávamos de adoração ficava totalmente sob minha direção, e o modo como fazíamos isso não era muito diferente do usado nas igrejas em geral. Começávamos com uma oração e um cântico, depois duas leituras da Bíblia divididas por um cântico e uma oração, depois o sermão, e finalmente um cântico e uma oração.

Eu nunca acreditei que aquilo fosse adoração. Os crentes individualmente entendiam e desfrutavam da presença do Senhor, pois a fé pode sempre contar com Sua ajuda. Mas poucos de nós jamais acharam que estávamos adorando como uma assembleia, pois sabíamos que nossa “assembleia” não era formada apenas pelo povo de Deus. Além disso, a maioria dos crentes que se reuniam conosco nunca buscavam qualquer operação do Espírito Santo enquanto estavam reunidos assim, exceto por aquilo que viesse através do ministro. Portanto, se o ministro estava cheio do Espírito Santo, ele era o meio usado para ministrar “rios de águas vivas” para os filhos de Deus; caso contrário haveria uma quase completa falta de bênção. Sendo assim, o estado espiritual de qualquer congregação seguindo este modelo era determinado principalmente pela condição espiritual de seu ministro, pois o sistema faz com que tudo dependa daquele único homem!

Vejamos o que encontrei como sendo o princípio ou terreno de adoração, conforme é entendido pelos assim chamados “irmãos”. Eles estão congregados ao Nome de Cristo, em torno de Sua mesa, para partirem o pão todo dia do Senhor conforme Ele pediu (Mt 18:20, 1 Co 11:23-26; At 20:7 etc.). Eles simplesmente se reúnem ao redor do próprio Senhor, em dependência e submissão a Ele como Senhor, sabendo que Ele, que é fiel ao que prometeu, está presente em seu meio quando reunidos para anunciar “a morte do Senhor, até que venha” (1 Co 11:26).

Além disso -- e o que é mais importante-- eles creem que o Espírito Santo, depois de ter sido enviado dos céus após a ascensão do Senhor Jesus, habita agora na Igreja de Deus, sendo Ele o poder, tanto para a adoração como para o ministério. Muitos cristãos creem que o Espírito Santo habita no crente individualmente, e esta é uma verdade das mais preciosas. Todavia, a verdade em questão é que Ele também habita na Igreja.

Os versículos a seguir podem ajudar. Ao escrever à assembleia em Éfeso, o apóstolo Paulo diz: “No qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito” (Ef 2:22). Aqui Paulo não está falando do Espírito Santo como o Espírito de adoção nos crentes, pois ele diz “vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito” -- isto é, juntos, eles formavam o lugar de habitação de Deus. Paulo nos diz que “a casa de Deus... é a igreja do Deus vivo” (1 Tm 3:15). Ao escrever aos Coríntios, Paulo também diz: “Vós sois [repare no plural] o templo do Deus vivente” (2 Co 6:16). Em 1 Co 6:19 encontramos a outra verdade, que os corpos individuais dos crentes são o templo do Espírito Santo.

Temos assim a solene verdade de que o Espírito Santo está agora na terra habitando na Igreja de Deus, na qual, conforme o Senhor prometeu, o Consolador veio habitar conosco para sempre (João 14:16-17). Portanto, onde quer que os crentes estejam congregados ao Nome de Cristo, entendendo que Deus considera cada assembleia assim como uma expressão local de toda a Igreja, eles sabem, com base no testemunho das Escrituras, que o Espírito Santo está em seu meio, guiando e controlando tudo para a glória de Deus por meio de Jesus Cristo.

Finalmente, os assim chamados “irmãos” ensinam outra coisa (que têm em comum com outros cristãos, exceto em sua aplicação): Já que o véu foi rasgado temos “ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus” (Hb 9:11-14; 10:1-22) -- onde Cristo, nosso Sumo Sacerdote, já entrou para aparecer na presença de Deus por nós (Hb 9:24), como “Ministro do santuário, e do verdadeiro tabernáculo, o qual o Senhor fundou, e não o homem” (Hb 8:2).

São várias as consequências que decorrem destes princípios fundamentais. Primeiro, os crentes estão reunidos, não por estarem de comum acordo sobre determinadas doutrinas ou por pertencerem a uma mesma denominação, mas simplesmente como membros do corpo de Cristo. Qualquer coisa menos que isto não é expressão da Igreja de Deus, pois deve existir à mesa do Senhor lugar para todo crente que não esteja sob uma disciplina bíblica. Ao fazer esta declaração a você, querido irmão, eu reconheço que buscávamos isto, mas jamais teria alcançado, pois alguns com os quais eu estava associado tinham forte objeção em alguém partir o pão conosco a menos que fossem da mesma “igreja”. Eles não reconheciam que ser “membro de Cristo” era a condição para se estar à mesa do Senhor. [Nota do Editor: Para uma discussão detalhada das qualificações bíblicas para esta declaração genérica, veja a Oitava Carta].

Além disso, quando reunidos como membros do corpo de Cristo, o sacerdócio de todos os crentes é reconhecido, pois o próprio Senhor é o Centro da reunião. Eu lia com frequência 1 Pedro 2:5, que diz, “Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo”. Eu achava que o apóstolo estivesse fazendo alguma referência ao uso de nosso sacerdócio quando reunidos. Eu sabia que todo crente poderia agir como um sacerdote em sua vida privada, mas também via que se um homem fosse ordenado para orar por aqueles reunidos, isto seria, na prática, uma negação do sacerdócio que é comum a todos e uma forma sutil de clericalismo. Estou certo de que muitos ministros denominacionais poderão confessar que a necessidade de serem porta-vozes da congregação é, com frequência, um fardo intolerável.

Por outro lado, quando congregados em redor do Senhor no poder do Santo Espírito, e com todos juntos se sujeitando em uma comum adoração, o Espírito Santo abre os lábios de um e outro conforme a Sua vontade, para derramar diante do trono da graça os sentimentos que Ele próprio colocou em nossos corações. Deste modo, tendo um Sumo Sacerdote (que não seja um de nós) sobre a casa de Deus, e sabendo que o Espírito Santo está em nós e no meio de nós como o poder para a adoração, nos achegamos “com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé...” (Hb 10:19:22).

Em terceiro lugar, quando reunidos nesse terreno de adoração, o único Ministro reconhecido é o próprio Senhor Jesus que entrou além do véu. É só por intermédio dele que nossa adoração e louvor sobem a Deus Pai. Assim os nossos olhos são dirigidos a Ele. Todos sentem que, sendo o Senhor o único Centro da reunião, Ele é também o único Mediador da adoração que é oferecida em espírito e em verdade, enquanto os Seus redimidos se regozijam juntamente diante de Deus na perfeita salvação que Deus operou para eles por meio da dádiva e obra de Seu amado Filho.

Em suma, a diferença entre os dois princípios é esta: Os assim chamados “irmãos” estão congregados como membros do corpo de Cristo, ao Seu Nome, e reconhecendo a presença e o poder do Espírito de Deus. Os denominacionais, por sua vez, se reúnem por concordarem com determinadas opiniões acerca da verdade ou de uma posição eclesiástica, em uma inconsciente negação da presença e do poder do Espírito Santo. Seu modo de operar acaba atrapalhando a ação do Espírito Santo segundo a Sua vontade soberana, exceto quando Ele, em terna misericórdia, decide agir por meio desse modo de operar para a bênção das almas. Em outras palavras, as Escrituras ensinam que os crentes deveriam estar congregados como membros de Cristo, em dependência do poder do Espírito Santo que está presente em seu meio. Porém os denominacionais se reúnem como dissidentes, buscando por bênção por intermédio do ministro que eles elegeram. Quando reduzidos aos seus mais básicos elementos, os dois princípios se resumem a uma crença, ou na presença e ação do Espírito Santo, ou na negação prática dessa verdade preciosa.

Eu dificilmente espero que você, querido irmão, esteja preparado para aceitar completamente estas declarações, mas lhe asseguro que você verá que são bíblicas. Porém, se eu tiver negligenciado alguma passagem relacionada a esta questão, ficarei grato se você puder indicá-la, pois o que desejo é descobrir a vontade de Deus acerca deste assunto. Portanto, minha oração é: “Dá-me entendimento conforme a Tua Palavra” (Sl 119:169).

Afetuosamente seu, no Senhor,

Edward Dennett

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Breve Biografia de Edward Dennett

Edward Dennett nasceu em Bembridge, Isle of Wight, em 1841 e partiu para estar com o Senhor em Croydon em Outubro de 1914. Ele se converteu ainda jovem por intermédio de um clérigo piedoso e sua família pertencia à Igreja Anglicana, a qual ele abandonou por convicções pessoais.

Graduou-se pela London University e assumiu o posto de ministro de uma congregação Batista em Greenwich. Após adoecer gravemente foi enviado à Suíça em Março de 1873 para tratamento e, enquanto estava em Veytaux, reconheceu que sua posição contra os "Plymouth Brethren" e o livro que escreveu criticando o movimento não tinham fundamento bíblico.

De volta à Inglaterra apresentou suas convicções à congregação que dirigia e deixou-a. Depois de estudar os ensinos dos "irmãos" e compará-los com as Escrituras, entrou em contato com William Kelly e acabou tomando seu lugar em comunhão. Dennett trabalhou na obra do Senhor na Inglaterra, Escócia, Irlanda e também visitou a Noruega, Suécia e América do Norte.

Um acervo das obras de Edward Dennett em inglês pode ser encontrado na Bible Truth Publishers (em formato impresso ou digital) e em Stempublishing (digital).