SÉTIMA CARTA
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Euston Station |
Blackheath, janeiro de
1875
Meu amado irmão,
A questão do “ministério” do
modo como é visto pelos assim chamados “irmãos” foi a próxima coisa a ocupar
minha atenção. Mais uma vez descobri que a verdade sobre esta questão está relacionada
ao Espírito Santo na assembleia. Quando este fato é claramente entendido,
muitas dificuldades são solucionadas. Descobri que os chamados “irmãos”
sustentam a ideia de que o Espírito Santo deve ter a liberdade de ministrar na
assembleia por intermédio de quem Ele desejar; que qualquer um que possuir um
dom, seja ele grande ou pequeno, é responsável em usá-lo para o Senhor. Minhas
buscas nas Escrituras me levaram a descobrir estes dois princípios como sendo
da vontade do Senhor.
Abri em 1 Coríntios capítulos
12 e 14. Nunca em meu próprio ministério eu havia lido ou explicado estes
capítulos para minha congregação, pois sentia que eles não se encaixavam com o
que praticávamos. Tentei acreditar que as passagens se aplicavam a um estado de
coisas que já tinha terminado. Talvez seja esta a crença geral entre os
denominacionais, pois eu raciocinava, como já ouvi outros raciocinarem, que “o Novo Testamento ainda não existia.
Portanto essa ‘diversidade de dons’ foi dada para a edificação temporária da
Igreja, até que eles pudessem conhecer a vontade do Espírito Santo através das
Escrituras do Novo Testamento”. Mas será mesmo assim? Achei que tudo
dependia de encontrar a resposta a esta questão. Portanto busquei mais
cuidadosamente e em oração por luz e direção.
Você está ciente de que, ao
explicarmos e aplicarmos a verdade, sempre damos grande importância à questão: “A
quem isto foi originalmente escrito”? Por exemplo, as instruções dadas a um
judeu nem sempre podem ser aplicadas a um cristão. Por isso procurei o início
da primeira carta aos Coríntios para ver a quem ela era endereçada, e encontrei
o seguinte: “À igreja de Deus que está em
Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados santos, com todos os que em
todo o lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso”
(1 Co 1:2). Fica por demais evidente, a partir deste “destinatário”, que as
instruções desta epístola não eram para ficar limitadas à assembleia local em
Corinto. Ao contrário, elas eram
destinadas a todos os crentes. Quando entendi o caráter permanente da
passagem, fui obrigado a crer que estas instruções tinham por destino crentes
em todo lugar e em todas as épocas.
Esta conclusão foi confirmada
por uma passagem em Efésios, onde temos uma lista de dons na qual estão
incluídos os profetas, amplamente
mencionados em 1 Coríntios 14. Então somos ensinados que estes dons são dados “querendo o aperfeiçoamento dos santos, para
a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; até que todos
cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem
perfeito, à medida da estatura completa de Cristo” (Ef 4:11-13).
Evidentemente ainda não chegamos à unidade da fé. Portanto Deus tinha em mente a continuidade dos dons e a consequente
aplicação das instruções contidas em 1 Coríntios capítulos 12 e 14.
Sendo assim, o fato de Espírito
Santo ter liberdade para ministrar por meio de quem Ele quiser é uma verdade
bíblica. Caso contrário, seria impossível entender uma declaração do tipo: “Falem dois ou três profetas, e os outros
julguem. Mas, se a outro, que estiver assentado, for revelada alguma coisa,
cale-se o primeiro. Porque todos podereis profetizar, uns depois dos outros;
para que todos aprendam, e todos sejam consolados” (1 Co 14:29-31).
Muitos concluem erroneamente que
um “profeta” seja alguém que faça previsão das coisas ainda futuras e desconhecidas.
Por isso questionam: “Que lugar teriam os
profetas na Igreja de Deus já que a revelação da vontade e propósito de Deus
está completa nas Escrituras?” Todavia, a verdadeira definição de um
profeta é a de alguém que comunica o pensamento e a vontade de Deus àqueles a
quem ele tiver sido foi enviado. Samuel e Elias eram profetas, mas tiveram
muito pouco a ver com a previsão de eventos futuros. Seu principal trabalho era
apresentar a vontade de Deus, que já tinha sido revelada na Lei, a fim de introduzi-la
nos corações e consciências de sua nação. Assim é também com os profetas do
Novo Testamento. Sua função é aplicar verdades conhecidas aos corações dos
santos. Portanto, existe uma contínua necessidade do ministério desses
profetas.
A mesma coisa é vista em
outra epístola. Em Romanos 12:68 Paulo diz:
“De modo que, tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada, se é
profecia, seja ela segundo a medida da fé; se é ministério, seja em ministrar;
se é ensinar... etc.” (Rm 12:6-8). Estas exortações foram endereçadas à
assembleia local em Roma, mas se aquela assembleia estivesse sob o cuidado
pastoral de um único homem, não teria existido uma oportunidade de estas
instruções, sobre o uso dos variados dons mencionados ali, serem obedecidas. Ao
escrever, o apóstolo tinha em mente a total liberdade de o Espírito Santo
ministrar por meio de quem Ele desejasse. A verdade é que este é claramente o objetivo
das palavras de Paulo “Porque a um pelo
Espírito é dada a palavra da sabedoria; e a outro, pelo mesmo Espírito, a
palavra da ciência... e a outro a profecia... mas um só e o mesmo Espírito
opera todas estas coisas, repartindo
particularmente a cada um como quer” (1 Co 12:8-11).
Poucos contestam que esta
seria a ordem na Igreja primitiva, mas o argumento comum é que todos os dons
cessaram no final da era apostólica, de modo que as instruções a respeito dos
dons já não teria aplicação nos dias de hoje. Eu já previa em parte esta
objeção ao apresentar a continuada aplicação das Escrituras em 1 Coríntios, mas
gostaria de completar minha resposta fazendo duas considerações.
Primeiro, se esta objeção
fosse verdadeira por demonstração (o que não é), ela não afetaria o princípio
do congregar. Nossa obrigação ainda seria estarmos congregados sobre o terreno
bíblico, deixando liberdade para o uso dos dons quando o poder do Espírito nos
fosse restaurado; ou caso isto nunca acontecesse, mesmo assim estaríamos
reunidos em torno do Senhor em adoração e louvor, submissos à Sua vontade em
nossa carência de dons.
Em segundo lugar, se todos os
dons tivessem desaparecido, como se costuma argumentar, isto não seria uma
desculpa para mascararmos nossa condição de fraqueza substituindo a liberdade
do Espírito por esquemas humanos. Se isto tiver sido uma disciplina do Senhor,
não estamos livres para estabelecer ministros e cargos eclesiásticos conforme
desejar nosso coração. Não, querido irmão, não podemos supor que temos tal
liberdade; e o simples fato de que ela seja praticada só revela a crença de que
a presença e o poder do Espírito Santo na assembleia estejam rapidamente se desvanecendo
na mente dos crentes.
O assunto pode ser
sintetizado com poucas palavras. Já que deveria existir liberdade para o
Espírito Santo ministrar por meio de quem Ele quisesse, a consequência lógica
disto é que o dom é a medida da
responsabilidade! Digo dom, e não ofício, pois aquele que possui o dom é
responsável apenas diante do Senhor em usá-lo a favor dos santos. Sendo assim,
supondo que você tenha o dom de exortar, Deus espera que você o use sem precisar
aguardar que a Igreja aprove isso elegendo você para ocupar um ofício.
A passagem já citada de
Romanos 12:6-8 demonstra isto. Ali Paulo escreve: “De modo que, tendo diferentes dons” (não ofícios), então que estes
sejam usados. Os capítulos 12 e 14 de 1 Coríntios ensinam a mesma coisa, assim
como Efésios 4:8-13, onde nos é dito claramente que o Senhor deu dons aos
homens e, como princípio mostrado na parábola dos talentos de Mateus 25:14-30,
Ele busca por resultados. Temos o mesmo princípio declarado em 1 Pedro 4:10-11:
“Cada um administre aos outros o dom como
o recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus” . Sendo assim,
o Senhor declara todos os Seus
servos -- todos nós -- responsáveis pelo uso de nossos dons para edificarmos o
Seu povo. Repito que isto é totalmente impossível sob ao “governo eclesiástico”
dos denominacionais. Na verdade, suas políticas eclesiásticas desprezam as
profecias e, consequentemente, extinguem o Espírito (1 Tessalonicenses 19:20).
Sendo assim, querido irmão, tenho de concordar com o caráter bíblico do “ministério”
no modo como este é praticado entre os “irmãos”.
Já ouvi a objeção de que “isto não funciona, independente de quão
bíblico seja, e entre os chamados ‘irmãos’ há uma grande triste carência de
mestres; portanto devemos adotar outras formas de abordagem”. Não tenho
ainda como julgar a primeira parte desta objeção, e pretendo fazê-lo já que
fiquei satisfeito com o que vi da vontade do Senhor relacionada ao ministério,
no modo como este é revelado nas Escrituras. Estou totalmente convencido de que
a sua forma de ministério é, como acontece com tudo mais, melhor do que o modo
humano. Também não estou em posição de dizer se a segunda parte da objeção seja
verdadeira, todavia sei que aqueles crentes que estão com os chamados “irmãos” são
muito mais versados nas Escrituras do que os que estão nas denominações. Estou
confiante, querido irmão, de que você irá concordar comigo nisto também, pois
uma das maiores dificuldades que eu e você tivemos em nossas tentativas de
instruir os cristãos em nosso “cuidado pastoral” tem sido sua falta de
conhecimento da Palavra de Deus, devido ao hábito comum de obterem suas “opiniões”
prontas dos pregadores de sua escolha.
Seja como for, fico feliz por
poder apoiar minhas conclusões apenas nas Escrituras, pois não temos outro
guia. Se nos permitirmos acrescentar a sabedoria humana abrimos a porta para
todo tipo de corrupção, como a que tem afligido e enfraquecido a Igreja de
Deus. Guardando a Palavra de Deus posso contar com um guia certo e infalível e,
ao mesmo tempo, uma forma de testar cada “sistema eclesiástico” que procure meu
apoio. Também tenho a espada do Espírito, com a qual posso lutar as batalhas do
Senhor neste dia de trevas e abandono da verdade.
Afetuosamente seu no Senhor,
Edward Dennett